palavras sobre palavras #8: a metáfora da figueira e o perigo de não fazer nada
A redoma de vidro, de Sylvia Plath
Talvez vocês notem (ou mais provavelmente não, já que eu não imagino que prestem tanta atenção assim nesta que vos escreve) que eu tenho passado por uma fase de ler mulheres melancólicas e angustiadas. Tenho estado um tanto obcecada em consumir as reflexões dessas autoras que, décadas antes de mim, refletiram sobre o que significa ser mulher no mundo e, de certa maneira, ajudaram a construir essa noção também.
Sylvia Plath faz muito parte desse processo e não é à toa que ela acumula uma legião de fãs jovens que se identificam com ela mesmo 60 anos depois da sua morte. Provavelmente uma das suicidas mais famosas do mundo e da história, foi ela quem popularizou a expressão “vou colocar minha cabeça no forno” e ainda segue sendo ela que inspira tweets engraçadinhos de mulheres com depressão.
Tem algo de muito especial na maneira em como esses grandes nomes da literatura mundial — que conseguiram se tornar grandes nomes da literatura mundial mesmo que sejam colocadas até hoje em uma caixinha de “literatura feminina” e que sigam meio ignoradas pelos homens de maneira geral — descreveram angústias que são tão identificáveis até hoje de maneira tão específica. Me emociona.

“A redoma de vidro” é o único romance da Sylvia Plath, que escreveu com mais frequência poemas e diários (esse gênero tão associado ao feminino e, por isso mesmo, tão subestimado). O livro é frequentemente descrito como semi biográfico. A personagem principal é uma jovem muito promissora com um futuro brilhante pela frente, mas ela não sabe exatamente o que fazer com isso.
“— O que você planeja fazer depois de se formar?
O que eu sempre achei que planejava fazer era conseguir uma boa bolsa de estudos para a pós-graduação ou para estudar na Europa. Depois eu imaginava que seria professora universitária e escreveria livros de poemas, ou escreveria livros de poemas e seria algum tipo de editora. Normalmente eu tinha essas respostas na ponta da língua.
— Na verdade não sei — eu disse. Senti um choque profundo ao me ouvir dizer aquilo, porque soube, no instante em que falei, que era verdade.
Soava como uma verdade, e eu a reconheci do jeito que você reconhece uma pessoa que rodeia a sua porta durante séculos e um belo dia aparece e diz que é seu pai verdadeiro, e ele é tão parecido com você que você sabe na hora que ele é mesmo seu pai e que a pessoa que você achava que era o seu pai é um impostor.”
Esse excesso de expectativas acaba fazendo com que ela se sinta imobilizada perante as possibilidades e ela cai numa depressão profunda e tenta se matar. Como tantas mulheres no século passado e ainda nesse, o diagnóstico de depressão vem em outro formato: ela passa a ser considerada louca.
Queria destacar provavelmente o trecho mais famoso do livro, que foi reblogado no Tumblr infinitas vezes e que, mesmo assim, ainda me parece merecer destaque: a metáfora da figueira.
“Eu via minha vida se ramificando à minha frente como a figueira verde daquele conto.
Da ponta de cada galho, como um enorme figo púrpura, um futuro maravilhoso acenava e cintilava. Um desses figos era um lar feliz com marido e filhos, outro era uma poeta famosa, outro, uma professora brilhante, outro era Ê Gê, a fantástica editora, outro era feito de viagens à Europa, África e América do Sul, outro era Constantin e Sócrates e Átila e um monte de amantes com nomes estranhos e profissões excêntricas, outro era uma campeã olímpica de remo, e acima desses figos havia muitos outros que eu não conseguia enxergar.
Me vi sentada embaixo da árvore, morrendo de fome, simplesmente porque não conseguia decidir com qual figo eu ficaria. Eu queria todos eles, mas escolher um significava perder todo o resto, e enquanto eu ficava ali sentada, incapaz de tomar uma decisão, os figos começaram a encolher e ficar pretos e, um por um, desabaram no chão aos meus pés.”

Durante boa parte do ano passado me percebi muito triste e não conseguia apontar exatamente o porquê. Depois de muito refletir sobre, percebi que eu não estava fazendo nada. A minha vida seguia seguindo, porque é claro que o tempo não para de andar pra frente, mas eu mesma não me sentia no comando de nenhuma decisão.
As coisas iam acontecendo e elas eram, por vezes, boas e, por vezes, ruins, mas era como se eu não tivesse nada a ver com elas.
Percebi que eu estava protegendo meu pouco tempo livre com unhas e dentes sob a justificativa que eu merecia descansar, afinal eu trabalho oito horas por dia num lugar que eu não gosto (abaixo o capitalismo, a revolução se faz necessária, chega de trabalhar pra enriquecer os outros, ninguém merece esse sistema), mas quando chegava o momento de aproveitar esse tempo livre, eu não sabia exatamente o que fazer pra sentir prazer. Acabava passando duas ou três horas no sofá assistindo série e mexendo no celular — ou pior, LAVANDO A LOUÇA QUE NUNCA PARA DE CHEGAR.
(Não existe armadilha de gênero maior do que preencher seu sagrado tempo reservado ao lazer cuidando da casa.)
Não queria marcar compromissos, não queria assumir projetos, tudo sob a justificativa do descanso. Acho que demorei a perceber que o contrário de trabalhar com o que odeio não é não fazer nada, e sim fazer algo que gosto. E isso envolve o tremendo esforço de fazer algo. Se dedicar ao que você gosta, abraçar projetos passionais mesmo com o cansaço (que, infelizmente, me parece que nunca mais vai ir embora), investir e planejar a sua própria diversão. Acho que é só assim mesmo que a gente sente vontade de continuar vivo, mesmo que dê trabalho.
Escolher um figo — qualquer um — é melhor que morrer de fome.
A vida e suas surpresas e pegadinhas no meio do caminho. Muitas pegadinhas!
Uma delicia e uma dualidade!
O grande desafio da vida é estarmos em movimento e conectados, sempre, mas sem cobrança, eis a dificuldade, pois cada escolha uma renuncia e às vezes só queremos um manual mesmo mostrando um caminho ou alguma coisa, mas ele não existe, porém precisamos escolher um "figo" e outro e outro ou ir atrás de uma pera, uma maçã, precisamos é valorizar o tempo que temos com as pessoas que amamos e trocar experiências sem medo de viver.
Afinal temos tanta responsabilidade com o trabalho com os boletos e precisamos ter esse mesma energia para conosco, buscando aproveitar as pequenas coisas.
Estou no desafio de valorizar a vida e escolher novas coisas para experimentar.
Há momentos que não nos sentimos no comando de nossas decisões. Tempo livre como aproveitar? O que fazer para sentir prazer? São tantas alternativas e escolhemos o ócio, deixando o tempo livre passar.
Porém quando nos esforçamos e saímos desta posição as coisas acontecem e vem o prazer em continuar!!
Escolha qualquer figo, sempre será melhor que morrer de fome e ainda poderá escolher outro após este e outro … até encontrar prazer no seu tempo livre!